Uma boa razão para salvar a mídia de massa
Fui convidado pela MTV para levar meu blog para o portal do canal. Mandei uma contraproposta: não, quero fazer algo totalmente novo, um site colaborativo, totalmente aberto para a participação do internauta. Música, vídeo, texto, foto, ilustração, o que for. Onde não só eu, mas qualquer um possa espalhar sua opinião, contanto que com coração e conhecimento de causa. Ah, e tudo sem direitos autorais pra ninguém e com autorização para republicação em qualquer lugar, o que significa jogar esse contrato que vocês me mandaram fora. Topam?Toparam! E 12 dias depois, o site Bis já está entre os Top Ten Blogs do portal. Estou muito feliz. De um lado, é minha modesta contribuição para a extensão da vida da mídia de massa. De outro, é um estímulo para que muita gente colabore para a evolução da mídia de massa para alguma coisa mais inteligente, honesta e sedutora.
Se a MTV está desesperadamente tentando se reinventar, a ponto de topar uma coisa tão maluca como o Bis dentro do seu portal e abraçar um projeto tão ousado como o Second Skin, uma espécie de ideosfera cercando o seu usuário, imaginem seus irmãos mais velhos na mídia de massa.
A MTV estava na ponta de lança do que era mais moderno, instantâneo e ousado nos anos 80. Mas não soube surfar na onda digital. A MTV teve a chance de ser o MySpace, o YouTube, o Facebook, de detonar em games, em animação, o cacete. Perdeu todos os bondes que interessavam.
Agora, tenta recuperar o tempo perdido. A matriz nos EUA tem mil e uma iniciativas doidas para tirar o atraso. Boa sorte. Falta combinar com os adversários, ou seja, a rapaziada, que tem muito que fazer na web sem passar nem perto da MTV. O canal é divisão da Viacom, empresa grande, forte, pesada e de sangue frio. Mas a era do gelo chegou, só sobreviverão pequenos e ágeis mamíferos que comem de tudo...
O ponto é que a mídia de massa tem que ser relevante. Tem que falar do que interessa. Não pode ficar só no frufru. Tem que ser atuante, tem que ter voz e ataque. E tem, principalmente, que ser um megafone, uma maneira de o usuário ser ouvido. E não só dos jovens adultos de classe média, alvo de 99% de todas as campanhas publicitárias, mas dos durangos e coroas também.
Para todas as outras funções, a comunicação segmentada — do blog ao canal a cabo, à FM pessoal, ao papo de botequim com os amigos — funciona melhor. Se de um lado é muito mais difícil essa abordagem emplacar no SBT, na Veja ou na Folha, na versão internet desses veículos TEM que acontecer, e já.
Se o veículo for irrelevante na internet, será irrelevante em todo o resto, e afundará por seu próprio peso. Para mim, tanto faz — não consumo nenhum deles —, mas eles podem ser úteis ainda, se bem utilizados. E é por isso que topei fazer um site para os jovens que assistem à MTV e por isso o Bis é um site colaborativo. Por isso a Tambor tem conteúdo digital em portais diversos e 100% independentes também. Entendo que ser um editor a essa altura do campeonato é para fazer coisas que a mídia de massa não faz — ainda. O que significa às vezes pegar uma carona nos ombros desses gigantões. Para poder abrir geral para quem tiver algo a dizer. Falar de música e tecnologia e futebol e do que for, sim, mas usar a oportunidade para falar do que interessa, da vida, da alma, da rua, da morte. Com texto, mas com som, com foto, com vídeo, com arte, feito por qualquer um, pela multidão.
Não é “liberou geral”, nem curadoria. É edição. De todo esse caos é preciso construir um sentido. É a missão do editor. Como ensinou Alan Moore, minha missão não é dar o que eles precisam, é dizer o que eles precisam.
Quem sabe conseguimos, juntos, inspirar todas essas grandes empresas de comunicação, e seus anunciantes, e nossos governos, e a empresa onde você trabalha neste exato momento, a ser todo mundo mais louco, mais sério, mais importante. Se não for, nós vamos aposentar essa tralha toda, porque ela não será mais necessária.
Vou falar bem alto e com todas as letras: nós ganhamos. Nós chegamos lá. Nós não precisamos mais ser contra a mídia, porque agora nós é que somos a mídia. Também não temos mais direito de reclamar da mídia malvada, claro. Os loucos tomaram o asilo. Os anunciantes precisam de nós, as grandes corporações precisam de nós. Temos que lidar com isso — o que é, francamente, bem mais fácil do que parece. A mídia de massa pode ser muito melhor do que é. Pode ser útil. É uma arma como qualquer outra. Tudo depende de para onde você a aponta. E de quem puxa o gatilho. Agora somos nós.
Fonte: Revista Meio & Mensagem - 27 de Abril de 2009 - Edição 1356
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